A morte de animais silvestres por atropelamentos em rodovias é considerada uma das principais causas da perda de biodiversidade, superando até mesmo impactos da caça. Uma estimativa parcial do Sistema Urubu, indica que 15 animais morrem nas estradas brasileiras a cada segundo. Diariamente, devem morrer mais de 1,3 milhões de animais e ao final de um ano, até 475 milhões de animais selvagens são atropelados no Brasil.
Desse total, estima-se que 430 milhões dos atropelados são pequenos animais (como sapos, pequenas aves, cobras, entre outros). Os 45 milhões restantes se dividem em 40 milhões de animais de médio porte (como gambás, lebres, macacos) e 5 milhões são de grande porte (como onças-pardas, lobos-guarás, onças-pintadas, antas, capivaras). Você deve estar se perguntando de quem é a culpa, né?
Os animais silvestres ocupam os ecossistemas naturais a milhões de anos, muito antes de nós, humanos. Há 2000 anos eles se deslocavam livremente para suas necessidades diárias. O que mudou? O aumento descontrolado das populações humanas passou a ocupar, explorar e fragmentar cada vez mais os hábitats naturais. Os atropelamentos são resultados do aprimoramento de um serviço essencial na sociedade: deslocar-se rápido e confortavelmente de um ponto ao outro.
As primeiras estradas foram construídas milhares de anos atrás, por civilizações antigas como os egípcios. Essa rede compõe, em todo o mundo, um papel essencial na conectividade econômica e social. As rodovias e ferrovias são construídas sobre diferentes habitats; florestas, montanhas ou rios. Por conta disso, o estabelecimento de rodovias (e ferrovias) no decorrer da história tem deixado marcas de degradação em diferentes paisagens.
Na década de 60, enquanto países de primeiro mundo, como os Estados Unidos e a Alemanha, desenvolviam uma preocupação com os efeitos das estradas, o Brasil estava no processo de expansão de suas vias. A primeira rodovia brasileira foi iniciada em 1856, durante o reinado de D. Pedro II e ligava Petrópolis (RJ) a Juiz de Fora (MG). Um dos grandes incentivadores, Washington Luís, liderando o governo de São Paulo (1917) e a presidência do Brasil (1926-1930), abriu espaço para a ampliação das estradas e ferrovias brasileiras com o seguinte slogan: “Governar é abrir estradas”. Fortemente incentivado, o transporte terrestre brasileiro evoluiu de forma rápida e atualmente possui cerca de 1.580.964,8 Km.
A movimentação dos animais no seu dia a dia e a presença de atrativos próximos à rodovia ou em regiões do entorno podem gerar os atropelamentos. A ocorrência de um atropelamento em si pode atrair outros animais (carnívoros), resultando em um ciclo de atropelamentos. Sem dúvidas, o principal impacto das estradas é o atropelamento de fauna. Entretanto, existem outros impactos como a poluição sonora e hídrica, fragmentação e perda de hábitat, entrada de espécies exóticas, além do isolamento genético dessas espécies.
Desse conflito, surgiu a ecologia de estradas. Essa nova ciência, em resumo, deu origem a estudos sobre os impactos causados por esses empreendimentos e sua influência na paisagem, comunidade de entorno e na economia regional. Por que monitorar a fauna? Primeiro pela obrigação ética de reduzir esse impacto. Segundo, porque os dados regionais (taxas de atropelamento e as espécies afetadas) permitem conhecimento adequado para propor e planejar ações de conservação e soluções eficientes para cada caso específico.
Soluções benéficas, tanto para a sociedade quanto para a natureza, nascem de um conjunto de ações baseadas nos princípios da ecologia, no planejamento das estradas e na engenharia dos automóveis. O planejamento de estratégias em grande escala, como a construção de dutos, instalação de cercas com malha fina e de passagens de fauna são primordiais para reduzir o impacto e devem ser consideradas desde o planejamento das rodovias.
A instalação de placas sinalizadoras, redução da velocidade máxima nos trechos críticos, a instalação de redutores de velocidade e projetos de educação no trânsito podem atuar como soluções imediatas e de baixo custo. É importante também realizar projetos educacionais e literários (sobre as rodovias, seus benefícios e impactos) com a comunidade que vive ao redor das estradas.
Necessitamos de inovação e criatividade para driblar os orçamentos apertados e o descaso governamental com a ciência e os problemas ambientais. Os cientistas seguem enfrentando desafios diários no desenvolvimento de medidas de proteção e conscientização para diminuir o maior impacto causado aos animais.
Texto escrito por Msc. Tainah Cruz Moreira – publicado em outubro de 2020.
Imagem Destaque / 1: Highway in – Alaska por Febin_Raj
Imagem 2: Álvaro Henrique
Imagem 3: Centro Brasileiro de estudos em ecologia de estradas
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