“As aves da espécie Eupsittula aurea, conhecidas popularmente como maritaca, periquito-rei e jandaia-estrela, se seguram em postes, fiação elétrica e telas de varandas de apartamentos que ficam próximo ao canteiro onde as árvores cortadas estavam plantadas.”
A notícia vinculada acima estampou os mais diversos meios de comunicação, no último dia 15-07-2020, projetando a cidade de Ilhéus, localizada no sul da Bahia, no cenário nacional. Árvores antigas foram cortadas e centenas de maritacas ficaram desnorteadas sem seus ninhos. Não poderia ser diferente, tamanha falta de uma política ambiental efetiva em nosso país. Casos assim mostram o completo descaso com que o Brasil vem sendo (des) governado pelo Poder Executivo nos últimos tempos.
Notícias como essa levantam a seguinte questão: Só as maritacas estão ficando sem teto? Infelizmente não. O movimento das maritacas sem teto nos recorda os ataques constantes nas terras e reservas indígenas sob justificativa de que eles são agentes de desmatamento. Parece evidente que tudo tende a piorar quando entramos na pauta das questões de meio ambiente e as populações indígenas que, desde o período colonial, vêm sofrendo uma série de ações abusivas organizadas por um grupo restrito controla desde sempre o poder econômico, bem como o domínio político e cultural da nossa sociedade.
Compreendo que existem armadilhas nas comparações entre o passado e o presente que podem conduzir o pensamento de um historiador. Mas, para entender as tramas sociais nas quais estamos inseridos, é preciso mergulhar em acontecimentos antigos. Prendam os olhares na Capitania de Ilhéus da segunda metade do século XVIII e início do século XIX, onde os processos de descaracterização das populações indígenas e a derrubada de árvores eram práticas frequentes (assim como nos dias atuais).
Como nos apontam os oficiais Balthasar da Silva Lisboa e Luis Freire de Veras (ouvidores) e o capitão Domingo Alves Branco Muniz Barreto, a região da Capitania de Ilhéus era habitada por índios “bárbaros”, “errantes” e “selvagens”. Além disso, era riquíssima, repleta das chamadas madeiras de lei, como por exemplo vinhático, cedro e pau- brasil. Madeiras que eram utilizadas nas mais variadas formas de construções, e graças a sua durabilidade possuíam grande valor econômico em Portugal e em outros lugares da Europa.
Os processos de derrubada das madeiras, o transporte e o abastecimento dos navios ficavam a cargo principalmente dos indígenas que viviam nas aldeias e vilas da região, e que tinham a sua mão de obra explorada pelos colonos. Só quem desconhece os processos históricos afirmaria que “os indígenas, desde o Período colonial desmatavam a natureza, assim como fazem hoje”.
Ao tentar apagar a história do Brasil, esquecem de mencionar que durante e após o processo de invasão liderado por Portugal (continuado por outros Estados Absolutistas), as populações indígenas foram dizimadas e os sobreviventes tiveram que readaptar as suas práticas culturais para sobreviverem à nova sociedade. Para além de lutar e resistir às imposições das armas, eles também tiveram que compreender as novas dinâmicas de funcionamento da sociedade do homem branco para poder fazer parte dela e, dessa forma, garantir a sobrevivência das comunidades em uma sociedade colonial cheia de conflitos e negociações.
Convencido de que não foram os indígenas que derrubaram as árvores seculares que, para além de embelezarem as ruas de Ilhéus, serviam de abrigo seguro para dezenas de aves, também me parece um tanto que embaraçoso atribuir no passado e, sobretudo, atualmente, sem nenhuma contextualização e problematização histórica, a afirmação de que os indígenas desmatam a natureza.
Antes de tudo, é preciso lembrar que esse país carrega o nome de uma árvore. É preciso repensar as nossas políticas públicas com relação as populações indígenas, já que assim como no Período Colonial, acabamos por reproduzir discursos pejorativos com relação à essas populações genuinamente brasileiras. Além, é claro, do fato de que, assim como as maritacas, todos nós estamos ficando sem um lar, graças a exploração descontrolada dos recursos e a fragilidade com que as leis ambientais estão sendo forjadas em nosso país. No Brasil, o Agro é pop, mas a natureza e as populações indígenas não.
Texto escrito por Ramon Queiroz Souza – publicado em novembro de 2020.
Imagem Destaque: Cocada da Maritaca por Rebeca Vonk Marins
Imagem 1: G1
Imagem 2: Ipirá City
Imagem 3: Visite o Brasil
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
BN (RJ). MS 512, (28), 33 f. Dotação antiga; I-4, 3,22. RESPOSTAS aos quesitos retro respectivos à Aldeia de N. S da Escada, hoje V. de Nova Olivença, Bahia e mais: a0 respostas aos quesitos retro respectivos à aldeia de N. S. das Candeias; b) respostas aos quesitos retro respectivos à aldeia de Santo André e São Miguel de Serinhaem. S. I. 1768 [1759].
GAMA, Aliny. BA: aves ficam perdidas com queda de árvores e se abrigam em telas e postes. Julho de 2020. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2020/07/15/ba-aves-ficam-perdidas-com-queda-de-arvores-e-se-abrigam-em-telas-e-postes.htm> Acesso em Out. 2020.
Officio do ouvidor da Comarca de IlhéosBalthasar da Silva Lisboa para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual lhe comunica uma interessante informação sobre a comarca de Ilhéos, a sua origem, a sua agricultura, comércio, população e preciosas matas. Cairú, 20 de março de 1799. Anais da BN, volume 36
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: Os princípios da legislação indigenista do período colonial (século XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, FAPESP, 1992.
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