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Você conhece a Melipona mandacaia, a abelha do sertão e do Velho Chico?


Que Lampião e Maria Bonita são figuras arretadas do sertão nordestino a gente já sabe, mas você já ouviu falar da Mandaçaia? Ela não é da tropa do Lampião mas é bem corajosa e destemida. A começar pelo seu nome, que de origem Tupi significa “vigia bonito” (Manda: vigia e Açaia: bonito), fazendo referência as operárias guardas que ficam a postos na entrada do ninho protegendo a colônia.

A Melipona mandacaia ou Mandaçaia como é popularmente conhecida, é uma espécie de abelha – sem – ferrão pertencente à família Apidae, ordem Hymenoptera. Ocorre apenas na Caatinga, sendo naturalmente distribuída nos estados da Bahia, Pernambuco e Piauí, onde se associa ao Rio São Francisco e seus afluentes.

São abelhas de comportamento eussocial, ou seja, constroem ninhos e dividem as tarefas. A principal característica que diferencia suas operárias das demais espécies do grupo mandaçaia, é a presença de faixas tergais contínuas, largas, alaranjadas e brilhantes no seu abdômen. Por não conseguir ferroar (possui ferrão atrofiado), é considerada uma espécie “dócil”. Tem sido bastante manejada em sua região de ocorrência, e pode ser criada em caixas racionais. Nós chamamos a criação dessas abelhas de Meliponicultura, uma atividade de grande importância para agricultura familiar no sertão nordestino.

Mas não se engane!! Quando se trata da conservação do habitat natural essas abelhas são arretadas e trabalham incansavelmente na proteção das espécies vegetais nativas da Caatinga, assim como da mata ciliar do Rio São Francisco. A Mandaçaia ocorre mais especificamente em uma região do sertão nordestino conhecida como Polígono das Secas. Essas áreas possuem altas temperaturas, baixa precipitação e longos períodos de escassez de chuvas. As abelhas enfrentam temperaturas que podem chegar até 40 °C para realizar um dos mais importantes serviços ecossistêmicos, a polinização.

Este serviço é essencial para sobrevivência não só das colônias de Mandaçaia, de onde elas obtêm recursos alimentícios (polén e néctar) e para manutenção do ninho. Também é essencial para preservação das espécies vegetais que dependem da polinização para sua reprodução. Estudos tem mostrado que espécies vegetais como a Aroeira do sertão (Myracrodruon urundeuva), o Pinhão (Jatropha mutabilis), o Juazeiro (Ziziphus joazeiro), a Faveleira (Cnidosculus  phyllacanthus), Umburana cambão (Commiphora lepptophloeos), Quixabeira (Sideroxylon obtusifolium) dentre outras espécies exclusivas da Caatinga e da mata ciliar do Rio São Francisco, possuem uma estreita relação com a Mandaçaia. As plantas fornecem além dos recursos essenciais, locais para construção dos ninhos.

Pesquisadores observaram que a ocorrência da Mandaçaia é associada de tal forma ao curso do Rio São Francisco e seus afluentes, que suas colônias naturais são encontradas em ocos de árvores até 50 Km das margens do rio. A partir dessa distância, nossa espécie dá lugar a outra espécie do grupo mandaçaia, a Melipona quadrifasciata anthidioides.

Sabemos que em um rio, a mata ciliar é essencial para manutenção da quantidade e qualidade da água. Ela reduz a velocidade de escoamento da água permitindo que esta seja absorvida pelo solo e consequentemente incorporada ao lençol freático. Além disso retém nutrientes essenciais, impede que sedimentos e poluentes químicos contaminem o rio e a água subterrânea. O serviço de polinização prestado pela Mandaçaia auxilia na preservação das espécies vegetais da mata ciliar.

Mas porque essa espécie ocupa uma área tão restrita se pode haver oferta de alimentos em regiões mais distantes e com climas semelhantes? Será que somente a busca por recursos influenciou nessa distribuição geográfica restrita? Essas são perguntas que pesquisadores ainda buscam responder.

O que eu posso garantir é que de polén em polén, o trabalho de cada operária auxilia na manutenção de um bioma exclusivamente brasileiro, garantindo a sobrevivência de recursos naturais como o Rio São Francisco, de espécies vegetais e animais como o homem. Sim, o homem!! Já que, segundo a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, 2004) 73% da nossa alimentação é fruto de recursos polinizados por abelhas.

Motivos como esses, ressaltam a necessidade do cuidado e preservação não só da espécie da Mandaçaia, como também das abelhas em geral. O serviço prestado por elas é essencial para manutenção da vida no planeta. E ações como desmatamento, uso indiscriminado de agrotóxicos e as queimadas (como a recente em Pilão Arcado, local de ocorrência da Mandaçaia) colocam em risco não só a existência dessas abelhas como de toda a vida dependente dela.

 


Texto escrito por Msc. Sâmela Silva Mendes – Publicado em dezembro de 2020.


Imagem Destaque: BeeKind por Lea Vervoort

Imagem 1: Grupo de Pesquisa em Genética Animal (UESB – campus de Jequié)

Imagem 2: Leydiane da Conceição lazarino 

Imagem 3: Alagoas na Net


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